Sexualidade sem tabus numa DII, por Sara Rodrigues
Sara Rodrigues, uma jovem de 35 anos, formada em marketing na liderança de equipas, foi atleta federada de futsal e tem colite ulcerosa uma doença inflamatória intestinal.
Antes do diagnóstico chegou a cegar do olho direito durante 3 meses, tinha muitas gastroenterites, lesões cardíacas, aftas, mas nunca pensavam que era um diagnóstico de um DII. Até que chegou a um ponto que ficou 3 meses sem ir a casa de banho com prisão de ventre e quando foi começou a perder sangue e a dor abdominal conduziram esta jovem ao hospital e sai com o diagnóstico de uma colite ulcerosa aos 23 anos.
Devido doença a Sara já esteve acamada, usou fraldas, sofre incontinência ao ponto de ter hemorragias de sangue e ficar anémica e salientar, tem uma alimentação bastante regrada e rigorosa, principalmente quando em crise da doença.
Chegou a ter tratamentos em estudo autorizados pelo INFARMED, uma vez que usou todos os tratamentos biológicos hospitalares. a sua alimentação era baseada numa nutrição entérica, só assim é que conseguiu sobreviver e ter qualidade de vida.
Desde de fevereiro de 2023 que faz o tratamento de imunoterapia oral tendo recentemente atingido a remissão.
Nestes últimos, dez anos a jovem tem tido vários internamentos sofrimentos e até mesmo em risco de vida.
Fundou o Movimento IBFAM, em que nasceu em meados de 2021, não como um conceito de associação, mas sim com o conceito ativismo, sensibilização, literacia e luta no sentido de tornar visível o que parece invisível a doenças inflamatórias intestinais. Basicamente este movimento é feito com doentes reais que mostram as suas dificuldades, as realidades e obstáculos que têm. A missão deste movimento é mostrar o que são doenças inflamatórias intestinais que não têm cura e que muitas das vezes o diagnóstico é tardio e a falta de tratamentos pode originar um cancro e a morte e objetivo é fazer chegar ao maior número de pessoas.
Nesta entrevista ao Love with Pepper, Sara abre o seu coração e fala-nos das adversidades que a colite ulcerosa lhe pôs à prova na vivência da sua sexualidade.
O que é a colite ulcerosa?
É uma doença crónica sem cura. Além disso é uma inflamação que tem início no reto que se estende de forma continua até ao cólon e afeta o intestino grosso em que provoca diarreia com sangue, provocando úlceras, cólicas abdominais e febre.
Como se reage a um diagnóstico destes?
No início nem reagi porque desconhecia o que era. Na altura que fiz o exame ao intestino, disseram-me que poderia ter uma doença inflamatória do intestino ou um cancro e poderia ter de ser ostomizada. Conforme ia fazendo exames e testes ia tendo noção do impacto desta doença.
Como foi o processo de aceitação desta doença?
Neste processo tenho uma médica gastroenterologista excelente que foi sempre me ajudando deixando-me de uma forma tranquila e segura por cada momento que passo com esta doença. E talvez por isso a aceitação fosse mais fácil. Conheci doentes com situações idênticas ou mais graves que a minha o que ajudou neste processo todo.
Quais as dificuldades emocionais ou físicas que você enfrentou devido a esta doença?
Senti-me uma pessoa impotente e sinto ainda que é um terramoto na minha vida quer a nível de trabalho, amizades e relações. Esta doença tem que ser muito bem trabalhada a nível psicologico com muita terapia para encontrar o equilíbrio que precisamos. Atualmente estou reformada e com uma deficiencia de 82 % de incapacidade. Tive muitas dificuldades a enfrentar como uma ida ao shopping em que as idas à casa de banho eram imprevisíveis, por vezes deixo de ir a festas e convívios, situações que parecem banais e são um autêntico tormento.
De que forma é que esta doença lhe causou impacto na sua vida sexual?
Ao contrário do que pudesse acontecer ficamos mais unidas e a doença fortaleceu a relação. Sou uma pessoa que tenho a sorte de ter alguém ao meu lado que compreende muito a minha situação e a doença que tenho. Compreendo por vezes estou mais debilitada e que na sexualidade não há aquele prazer, nem existe aquele momento mais afrodisíaco para se ter o ato sexual. No entanto, existe um companheirismo e uma compreensão que entre nós que supera os momentos mais difíceis.
Alguma vez sentiu algum tipo de desconforto físico, como dor, fadiga ou sintomas intestinais, que lhe afetaram sua disposição ou desejo sexual?
Claro que sim. Por vezes pensava que a crise estava mais controlada e não estava. Mas enquanto casal até brincamos com a situação e se não for hoje é amanhã. E o amor não é só a parte sexual, o amor é cumplicidade, companheirismo e sobretudo respeito com a pessoa que estou.
Qual a relação com o seu corpo após o diagnóstico?
Apesar da minha timidez e com este diagnóstico a relação com o meu corpo ficou melhor, porque depois de tantos internamentos, exames como colonoscopias e de todos os auxiliares, enfermeiros e médicos me verem nua, comecei a ver a nudez de uma forma mais natural e a doença ajudou-me a conhecer melhor o meu corpo.
A doença influenciou sua autoestima ou auto perceção em momentos íntimos?
Esta doença tem sido uma aprendizagem e com um propósito na minha vida. Não é por sofrer desta doença que vou deixar de ser a Sara que sou! Nunca deixei que me afetassem a minha autoestima e, embora traga obstáculos, como o ir à casa de banho imensas vezes, tento lidar com normalidade. Existe uma frase que digo muitas vezes, “quando aprendermos a rir de nós próprios, atingimos um patamar de aceitação completa” e aí supera-se tudo.
Como é vivida a sexualidade com a sua doença?
Em termos gerais não é fácil e não se fala e existe muito tabu em sexualidade, homossexualidade e doença inflamatória intestinal, um conjunto sobre os quais não existe informação. No entanto a sexualidade com esta doença é desafiadora, o doente tem que ter uma aceitação do seu corpo, ser uma pessoa com confiança e segura e ter alguém ao seu lado que a compreenda. No caso, por exemplo de um casal homossexual e um deles usa pensos higiénicos, fraldas ou até mesmo o saco a sexualidade pode estar em causa e de todo não deve ser agradável o sexo.
De que forma é que a medicação lhe afeta o desejo, excitação e libido?
Esta medicação que faço não me afeta nada e não há evidencia que isso aconteça, apenas não posso engravidar enquanto a estou a tomar. Neste momento não posso interromper a medicação porque estou no limite desta doença.
Que sintomas influenciam na sua intimidade?
Em crise sinto incontinência no ato sexual que não é agradável, hemorragias e dor abdominal e como é evidente influência no ato.
Numa relação amorosa e sexual é facil relacionar-se com alguém?
Estou com a minha companheira há 11 anos, portanto quando tive este diagnóstico já estava com ela. No início não conhecia a doença e tentava levar tudo de uma forma natural, acabei por descobrir que não é assim tão fácil lidar com a mesma. Aprendemos muito uma com a outra e crescemos muito nesta jornada.
Como é que se aborda enquanto casal as limitações desta doença na intimidade e na sexualidade?
Sou uma mulher sortuda porque tenho ao meu lado uma pessoa extramente disponível e compreensível. Ela sente e sofre tanto quanto eu, ela é cuidadora, preocupada, acho que ela não é só uma companheira, mas sim, ela amiga e é mais família. Construímos uma família linda!!!
No entendimento, será que esta doença afeta a capacidade de a doente se sentir confortável e relaxada durante o ato sexual?
Claro que sim. Relaxada é raro estar e quando estamos em crise não nos sentimos confortáveis. Se esta doença estiver controlada, é possível ter uma relação sexual normal, sem qualquer constrangimento. Como estou controlada, faço sem qualquer problema, não sentindo constrangida e tenho vontade.
É possível um doente com colite ulcerosa ter uma vida sexual prazerosa e satisfatória?
Se estiver controlada sim, mas se a doença for severa não é possível, isto para além das crises.
Sente-se uma mulher segura a nível sexual?
Não tenho qualquer tipo de insegurança nesse campo. Temos que nos amarmos, muito inclusive o nosso corpo. Além disso, temos que ser pessoas empoderadas e não deixar que uma doença nos afete na vida. Atitude, acima de tudo.
Considera que o nosso SNS e os nossos profissionais estão preparados para lidar com este tipo de doenças e abordar o tema sexualidade?
Há muita falta de apoio e informação e então neste tipo de doenças existe muito tabu. Os nossos profissionais já se interessam por temas como sexualidade, infertilidade, inseminações organizam palestras e congressos com equipas multidisciplinares para se falar sobre estes. Mas o tabu e a falta de informação permanecem.
Sexualmente realizada. Vida feliz. É o lema do Love with Pepper, concorda?
Concordo. Porque acho que sou uma sortuda, sou confiante e além disso tenho a sorte de ter uma equipa multidisciplinar que me acompanhe, isso ajuda encarar situações menos agradáveis neste processo. E a parte da comunicação é fundamental neste processo todo.
Apesar da minha condição sou capaz de ter uma relação sexual tão possível quanto o de uma pessoa dita normal. Devemos entregar-nos de corpo e alma e nunca desistir.
Apesar de todas as adversidades o sexo é bom?
Sim. É bom e recomenda-se. É bom sentirmos nos desejadas, acariciadas e sentir o toque.
Sara Rodrigues, Criadora do Movimento IBFAM
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