Sexo & Drogas: o outro lado do prazer
Um olhar sobre a parte interna da sexualidade diz-nos que vivemos permanentemente numa ambivalência entre o medo e o desejo. Nem sempre damos por ela porque a predominância de um abafa a presença do outro, o que nos leva à ilusão de que apenas temos medo ou desejo.
Juntemos a isto outra ideia que, alguns, pretendem negar: somos seres dependentes! Nascemos prematuros e num estado de total dependência, dependência essa que não desaparece ao longo da vida, apenas adquire um formato mais autónomo e maduro.
Precisamos dos outros, física e emocionalmente.
Sendo assim, o outro que amamos será sempre potencialmente traumático para nós.
A morte, o abandono, a traição ou a rejeição daquele que amo lembra-me que o amor, que traz consigo os maiores prazeres, ameaça, igualmente, com os maiores sofrimentos.
Neste sentido, juntando à natural dependência dos humanos a ideia de que há sempre algum medo contido no desejo, é muito comum que estes se apoiem, consciente ou inconsciente, numa determinada substância psicoativa para lidar com algum tipo de insegurança. Timidez excessiva, inibição sexual ou social, autoimagem depreciativa, culpa em relação ao prazer, ansiedade de desempenho, trauma, etc., podem trazer um sofrimento, no imediato ou antecipado, que apele à automedicação antiálgica.
Esta é a lógica do comportamento aditivo: procurar fora a solução para um problema de dentro, com o objetivo de anestesiar ou de evacuar um estado afetivo intolerável e aproximar o sujeito do seu Ideal do Eu.
Um Ideal do Eu que, no sexo, obedece a dois ditames: a eficácia performativa e a intensificação do prazer.
Olhemos alguns exemplos.
A atividade sexual potenciada por substâncias psicoativas tem o seu exemplo extremo no chamado chemsex, - sexo químico -, normalmente, uma associação entre maratonas de sexo em grupo e o consumo de metanfetaminas, que geram desinibição e potenciam o prazer sexual. Este fenómeno contém inúmeros riscos – da dependência a sérios danos para a saúde mental, passando pelas doenças sexualmente transmissíveis.
Formato mais comum é o uso dos medicamentos para disfunção eréctil, não para tratar, mas como se fossem drogas recreativas que garantem desempenhos heroicos e tentam negar a passagem do tempo.
O uso do álcool como desinibidor social e sexual é, relativamente, banal, mas também é usado por homens com medo de uma ejaculação rápida demais. Estes homens aprendem à sua custa a encontrar a dose certa, pois tal como nos avisa Shakespeare em Macbeth: o álcool cria o desejo, mas afeta o desempenho.
A desinibição é também procurada através da canábis e seus derivados.
A cocaína é mais usada para a desinibição e para o agir de certas fantasias que a frio se tornam mais censuráveis. Embora alguns homens com ejaculação prematura procurem o seu efeito anestésico pela aplicação da substância na glande.
A heroína é muito usada, numa fase inicial, para o controlo ejaculatório e como “terapêutica” para o vaginismo (contração involuntária do terço externo do canal vaginal, que torna a penetração profundamente dolorosa ou mesmo impossível).
O mais comum é que um consumidor portador da disfunção, ao encontrar-se com o efeito da substância, se agarre ao efeito secundário benéfico. Mas também já vi homens que entraram diretamente na heroína à procura do efeito terapêutico sobre a ejaculação prematura.
Todo o consumidor de heroína sabe que no início do consumo a ejaculação é retardada, alteração que será muito bem recebida por um ejaculador prematuro. Para estes homens, este facto idealiza brutalmente a substância.
Claro que a história não se fica por aqui. A prazo, com o instalar da dependência, o retardar da ejaculação transforma-se na ausência de orgasmo, primeiro, e na falta de desejo, a seguir. E a ejaculação prematura continua por tratar.
Juntaram um problema maior – a toxicodependência – ao problema inicial - disfunção sexual, mais concretamente, a ejaculação prematura.
No vaginismo, pelo potente efeito anestésico e relaxante, a idealização é idêntica. Através do consumo, estas mulheres vêem-se livres da dor e conseguem, desta forma, ter uma actividade sexual “normal”.
Este cenário agrava-se quando falamos de mulheres que, fruto da sua dependência, usaram o sexo como moeda de troca pela substância ou por dinheiro que garanta a aquisição da mesma. Ou mulheres que foram vítimas de abuso sexual.
Nestes casos, o consumo garante a dupla anestesia do episódio traumático, seja pelo poderoso efeito antiálgico que permite o sexo sem dor e anestesia fantasmas, seja pela inevitável castração química decorrente do instalar da dependência, que suprime o desejo e mantém o fantasma longe.
Como sabemos as toxicodependências são uma patologia do agir onde só o agora interessa. Imaginemos uma situação muito comum: um ejaculador prematuro ou uma mulher com vaginismo, em recuperação da sua toxicodependência, está no início de uma nova e muito desejada relação amorosa. A sua ansiedade de desempenho – medo de falhar - e o medo da rejeição trazem de imediato ao pensamento a solução mágica: “e se eu consumisse? Só um pouco, até a relação estar segura, depois paro.” Normalmente, não param.
É mais difícil que o processo de recuperação destas pessoas possa ter sucesso se a dificuldade ou disfunção sexual de base não for tratada.
Drogas e sexo têm uma longa relação - seja para reforçar narcisismos e estar acima da média na competição com os pares, seja no sentido do uso da substância como estratégia “terapêutica” para lidar com uma dificuldade ou disfunção sexual, seja na procura da castração química como forma de fugir aos fantasmas e a traumas, enquanto se compensa a falta de prazer sexual com os prazeres das drogas. Em bom rigor, uma grande parte destes prazeres são, na verdade, de fuga ao desprazer.
Concordo com Freud, quando nos diz que, para muitos, os narcóticos são, direta ou indiretamente, substitutos da satisfação sexual. A afirmação é reforçada por mais de 20 anos a ouvir descrições da substituição do prazer sexual pelo prazer orgástico da droga. Significa isto que, na minha opinião, nenhum processo de recuperação de toxicodependência pode negligenciar este dado: uma vida amorosa e sexual tão gratificante quanto possível, é um fortíssimo fator de proteção que afasta o individuo em recuperação da recaída.
Numa sociedade, como a nossa, que glorifica o desempenho e a eficácia, atropelando o sentir e o pensar, os não consumidores também têm a ganhar em se olharem ao espelho e questionar: não serão alguns toxicodependentes pessoas a tentarem estar híper-adaptadas às exigências deste grupo de que todos fazemos parte?
Dr. Pedro Fernandes, Psicólogo Clinico e Psicoterapeuta
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