O Amor no Feminino, por Ana Zanatti
Ana Zanatti, nasceu em Lisboa, ao longo de 54 anos tem exercido a atividade de atriz no teatro, cinema e televisão e foi, em simultâneo, durante 26 anos, apresentadora da RTP. Prémios como atriz:
1980-Troféu Nova Gente-prémio revelação no teatro de Revista1980-Prémio TV Guia- apresentadora mais popular
1986-Sete D’ouro- atribuído pelo semanário Sete-Melhor atriz de cinema
1986-Troféu Nova Gente- Melhor atriz de cinema
1998-Globo de Ouro, SIC-Melhor atriz de cinema
Autora e coautora de canções, programas de rádio e televisão, documentários e séries, tradutora de peças de teatro, publicou o primeiro romance em 2003.
Dedica-se a causas como a Condição Feminina (em 1984 foi uma das 25 mulheres escolhidas para representar Portugal, em Bruxelas, pela Comissão da Condição Feminina da CEE), Defesa dos Direitos LGBT, Conservação da Natureza e Defesa do Ambiente, Defesa dos Direitos Humanos e dos Animais. Recebeu os Prémios Rede Ex Aequo em 2009 e 2012 e o Prémio Arco-Íris em 2011.
Salienta que não tem duas caras no que toca à sua essência, por isso pensa que é o que mostra com mais uns pós que reserva para a intimidade, com família e amigos. Considera-se uma Mulher mais expansiva, mais brincalhona, digamos que menos reservada. De resto é bastante exigente consigo mesma, por vezes também com os outros, característica que tenta combater, é amiga dos seus amigos, persistente, às vezes indecisa e insegura, revolta-se com as injustiças, a verdade e frontalidade são-lhe essenciais no equilíbrio e paz, também.
Nesta entrevista, Ana fala-nos da sua orientação sexual e abre o seu coração de modo a quebrar o preconceito e tabu tão inseridos na sociedade.
Como se define como Mulher e companheira?
Tenho uma natureza construtiva, e uma necessidade absoluta de evitar qualquer espécie de estagnação. Entendo uma relação amorosa como um caminho partilhado, embora nunca esquecendo a individualidade de cada um, onde são fundamentais o crescimento e evolução, não só de ambos os parceiros, como da relação, a cumplicidade, a ternura, a alegria, a harmonia, a liberdade, o respeito, a amizade, a admiração e a entreajuda. É isto que tento praticar.
Considera-se uma Mulher romântica?
Tenho fases que se prendem com as circunstâncias da vida. Ou estou muito absorvida pela ação e realização de projetos, ou, tenho fases em que preciso absolutamente de me reencontrar e entro num estado mais contemplativo e mais romântico. Mas gosto sempre, de criar momentos especiais, de pequenos rituais quer seja um simples jantar ou um passeio pela Natureza, que proporcione uma cumplicidade mais íntima.
Como define o seu percurso de vida aos 73 anos?
Muitas estradas percorridas, muitos desvios para satisfazer a enorme curiosidade pelo mundo que me cerca, riscos e desafios, muita aprendizagem sobre temas e atividades profissionais diversos, mas acima de tudo, e mais importante, muito caminho interior para não chegar ao fim da vida sem perceber o que andei aqui a fazer. Não tem sido um percurso em linha reta, mas continuo a percorrê-lo da forma mais correta que sei.
Sendo mulher, e escolhida entre várias, como foi representar Portugal no Parlamento Europeu na década de 80?
Foi sobretudo uma experiência humana interessante porque fiquei a conhecer mais de perto algumas das minhas companheiras de viagem e de quem fiquei amiga, como foi o caso da Maria Isabel Barreno.
Com que idade se apercebeu da sua homossexualidade com outra consciência.?
Cedo, mas sem consciência do que isso significava. Talvez por volta dos 14, 15 anos tenha começado a questionar-me.
Como é ser educada no meio de uma família conservadora e religiosa e num colégio religioso e assumir a sua orientação sexual?
Tive de vencer as dificuldades inerentes a quem se desvia do caminho esperado, do caminho mais comum e habitual, perdi alguns amigos, ganhei outros, tive medos pelo desapontamento que estava a causar aos meus pais, tive de ser dura e inflexível para não vacilar, mas sempre com uma certeza interior muito forte de que não podia trair a minha natureza nem os meus sentimentos.
Alguma vez se sentiu atraída ou apaixonada por homens?
Tive alguns namorados, mas não foram propriamente paixões.
Como foi assumir a sua homossexualidade?
Foi duro, mas valeu a pena.
Como reagiu a sua família?
Uma parte, ignorando o assunto, era como se não existisse. O meu pai nunca me falou sobre isso, mas não tínhamos uma boa relação e em determinada fase quando saí de casa, afastámo-nos, a minha mãe sofreu bastante, mas como tinha uma grande inteligência emocional e um espírito bastante aberto e livre para a época, senti-a sempre ao meu lado quando saí de casa.
Dada à sua idade e na época que assumiu a sua orientação sexual, sentiu-se alguma vez impugnada e condenada pela sociedade?
Sim, muitas vezes, deforma discreta, indireta, nada de muito direto e ostensivo. Nunca permiti, nunca dei espaço para que alguém ousasse ser diretamente ofensivo.
Sendo a Ana uma mulher mediática, de que forma é que o mediatismo lhe afetou nas relações pessoais e afetivas?
Tive cedo a consciência de ter muitos olhos postos em mim, prontos a espreitar para dentro da minha intimidade, por isso adotei um comportamento mais distante, que possivelmente deu às pessoas uma ideia errada da pessoa que sou.
Embora a distância seja uma característica que me habita e sei usar quando preciso de me defender.
Alguma vez pensou na maternidade e na adoção?
Perto dos 29 anos pus a hipótese de ter um filho com um grande amigo, mas pensei melhor e achei que não ia ser a mãe que qualquer criança merece porque não tinha uma vida suficientemente estável.
É fácil assumir uma relação homossexual em Portugal?
Depende, do contexto familiar e social, da informação e abertura de espírito dos familiares e amigos próximos, da profissão e posição social do próprio/a, mas acima de tudo da consciência e sentimento da pessoa, de que a vida é dela e que a deve viver segundo a sua orientação sexual ou corre o risco de sentir uma profunda dor, frustração, e às vezes revolta, por abdicar de uma parte tão importante de si, em favor de um preconceito.
A nível profissional sentiu descriminação ou preconceito por parte de colegas de trabalho?
Sim, sobretudo no início do meu percurso profissional, mas não foram muitos casos. Lembro-me também que no início dos anos 70, fui afastada da Emissora Nacional depois de ter sido inquirida por um diretor sobre a minha orientação sexual.
Considera que atualmente a homossexualidade é mais aceite pela sociedade do que no passado?
Certamente, embora ainda haja muito a fazer para que o preconceito se atenue cada vez mais.
Não basta mudar a lei, o que é difícil mudar é o que vai dentro da cabeça de cada um, o peso do julgamento social, os medos e inseguranças de toda a ordem, desde perder o amor da família, a ser ostracizado por colegas de trabalho ou ser prejudicado profissionalmente.
Alguma vez recorreu ajuda terapêutica para a sua homossexualidade?
Nunca. Sempre me vi com bons olhos, nunca me reprovei nesse sentido.
Considera que a comunidade LGBTQI+ está bem representada em Portugal?
Acho que não disponho de dados suficientes para me pronunciar de forma profunda, mas existem diversas Associações que desenvolvem um bom trabalho no sentido de apoiar as pessoas, de lutar e dar a conhecer os seus direitos.
Considera-se uma Mulher feliz e realizada?
Tenho dias…quando me sinto em paz com o mundo e comigo, quando o ambiente é fraterno, pacífico, amoroso, esses são dias felizes se estiver bem de saúde. Quanto a sentir-me realizada, já tenho sentido alguma alegria por conseguir chegar ao fim de certos projetos como escrever livros, sinto-me bem com o meu percurso profissional e pessoal embora muita coisa tenha ficado por fazer em ambos os níveis, mas esforcei-me, fiz as minhas escolhas, assumo a responsabilidade de tudo o que fiz, e agrada-me imenso ainda estar com projetos e estar já a realizar alguns, como fazer o curso de Eneacoaching para ajudar pais e pessoas que se sintam em conflito devido à orientação sexual, quer dos filhos quer dos próprios. Depois de ter publicado o meu último livro "O Sexo Inútil", que se debruça sobre esta temática, o feedback que tenho dos leitores tem sido um grande impulso para me dedicar ao Coaching. Em breve abrirei no Instagram a minha página profissional.
Qual foi o seu maior ato de amor?
Não lhe sei responder, mas certamente um deles, embora possa parecer egoísta, foi vencer as adversidades, que foram muitas, para não ter de viver abdicando duma parte importante de mim. Dificilmente se sabe amar, quando não nos amamos e respeitamos a nós próprios.
O amor vence o preconceito?
Acho que nem sempre. Por vezes, o medo sobrepõe-se. E é muito triste quando se constata isso.
Ana Zanatti, atriz
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