top of page

A Medicina, a Fé, a Espiritualidade e o #AMOR, por Dra. Paula Silva

Foto do escritor: LoveWithPepperLoveWithPepper



8 de Março de 2025, Dia Mundial da Mulher


Dra. Paula Silva, médica. Exerce o cargo de Diretora de Serviço do Serviço de Cuidados Paliativos de IPO do Porto.

Desde muito pequena teve sempre a noção e dizia que um dia iria ser médica. Esta ideia esteve sempre presente na sua mente e no seu caminho. Já numa fase mais adulta, que movia esta mulher na área da saúde, era o ajudar e cuidar do outro.

O seu primeiro contato com os cuidados paliativos foi quando começou a trabalhar nos cuidados do IPO do Porto em que fazia do serviço da unidade de dor. Começou a perceber que a dor não era só física, mas sim uma dor total e a partir daí nasceu a sua ligação com os cuidados paliativos.

Desde de 1994, o IPO do Porto foi a primeira instituição em Portugal a desenvolver um serviço de cuidados paliativos. Inaugurado o edifício de Cuidados Paliativos do IPO em maio de 1996, hoje é o maior serviço deste tipo a nível nacional.

Desde de 2007 que está no serviço de cuidados paliativos, e assumiu a direção desta unidade no ano 2021, com o objetivo de manter o foco no doente e no trabalho de equipa fazendo sempre o mais e o melhor.

A sua missão de vida é ajudar, olhar e cuidar, sempre em prol do outro.

Nesta entrevista ao Love with Pepper, numa conversa inspiradora, a Dra. Paula Silva fala-nos sobre AMOR, afeto, toque na fase terminal do doente e na importância e do direito dos cuidados paliativos no mundo.


O que é ser Mulher?

Ser mulher é ser pessoa, é tentar fazer o melhor, quer na nossa vida, quer no dia-a-dia. É sermos sempre mais e melhores. Todos nós somos pessoas e é muito importante que, para além de todas as diferenças que possam existir, e que existem, lutar pelos direitos da mulher, no sentido em que ainda há muito a fazer para realmente a mulher ter essa igualdade. Temos de lutar pelas pessoas.


O que é a vida?

Não há uma definição unânime da vida. A vida é, sobretudo, estarmos conscientes e presentes, tudo o resto é um acréscimo.

A vida é algo tão complexo e, ao aproximarmo-nos dos cuidados paliativos e do que eles representam, podemos dizer que vida é estar vivo, é simplesmente existir, nas diferentes dimensões.

O que são os cuidados paliativos?

Os cuidados paliativos são uma área muito importante da medicina, surgem na década de 70, e num curto período de tempo, assumem um papel importante em todo o planeta. Hoje em dia, o direito aos cuidados paliativos é considerado um direito fundamental do ser humano. Têm como objetivo promover, prestar cuidado à pessoa que tenha uma doença crónica e, para além disso, este tipo de cuidados estão envolvidos num todo: no doente, na família, nos cuidadores e nas pessoas significativas.

A prioridade, a urgência deste tipo de cuidado é o controlo do sintoma, mas, obrigatoriamente, temos de envolver outras dimensões, ou seja, a psicológicas, a social, e a existencial ou espiritual.

 

Como se vive a felicidade no meio da tristeza?

É importante desconstruir esse conceito de que os doentes em cuidados paliativos são os doentes que estão a morrer. Mesmo quando muito doente ou numa situação difícil é possível ter um momento de paz, harmonia e alegria.

O nosso trabalho como profissionais de saúde para com os doentes e com os familiares é perceber o que realmente é essencial, o que se pode fazer, as necessidades que se possam ter. Percebermos como que é importante sentirem-se mais tranquilas e terem qualidade de vida até qua a morte ocorra e este momento seja pleno de dignidade, e isso ajuda em todos os sentidos.


Considera que a sexualidade no cancro ainda é tabu?

Sim, claramente, mas temos de desmistificar isso e estamos no caminho.


Considera importante a sexualidade na fase terminal de um doente?

Pode ser. A palavra sexualidade em português é muito vasta, ou seja, não podemos generalizar. É completamente diferente a abordagem da sexualidade durante um diagnóstico, durante um tratamento, ou numa fase de doença avançada.

 A sexualidade está inerente à pessoa e, se calhar, no processo da doença, pode haver uma maior ênfase como na sua expressão afetiva  e emocional. É muito difícil, é um facto, a sua abordagem em cuidados paliativos. São raros os doentes que abordam a sexualidade, mas  existe essa preocupação têm vergonha e mesmo medo.


Acha que os pacientes não expressam a importância da sexualidade durante essa fase da doença porque ainda existe muita falta de informação, estigma e tabu?

O doente não escolheu ficar assim e também não foi preparado para ter que saber abordar a situação. A responsabilidade é sempre dos profissionais e não do doente ou dos familiares. Somos nós, profissionais que temos de ter essa capacidade de chegar à doença e de abordar a questão sem que este sofra qualquer constrangimento.


Como é que acha que o doente vê o seu corpo e a relação que tem com ele?

O corpo altera nas várias fases a doença e isso é uma grande barreira para o doente. Vivemos numa sociedade em que a imagem conta muito, mas, nestes casos, realmente há uma alteração de um todo que afeta a sua relação com o outro e também com a sua identidade. E o que nós dizemos ao doente é que estão vivos - morte é um momento e até lá estamos vivos e temos de viver da melhor forma possível.


O impacto de uma doença terminal num doente provoca alterações físicas, psicológicas e emocionais. De que forma estes tratamentos e medicamentos podem ajudar ou interferir na alteração do desejo e função sexual do doente?

Quando o doente chega aqui ao serviço, vem com uma história, debilitado, vulnerável e muito sensível. Normalmente é um doente que tem muitos problemas de foro físico e psicológico e é evidente que os tratamentos oncológicos afetam-no. E aqui saliento que o mais importante é o tratar e cuidar.


É possível estes doentes terem uma sexualidade prazerosa e de certa forma saudável?

Acho que sim. O sexo vai muito além da penetração. Tenho orgulho desta equipa que trabalha. Muitos são os exemplos do seu papel na facilitação de um contacto mais próximo, intimo entre doente e parceiro. A título de exemplo, uma doente comentou com as nossas enfermeiras que tinha saudades de dormir de “conchinha” com o marido, e o que fizeram por ela foi ir buscar outra cama ao armazém, juntar duas camas hospitalares e o marido passou a dormiu com ela até ao final da sua vida. Proporcionar estes momentos  são, não só para os doentes e familiares, mas também para toda a equipa, uma fonte de conforto e bem estar.


Na sua opinião como é que os pacientes lidam com a mudança na dinâmica de seus relacionamentos íntimos devido à doença?

Varia muito. É tudo uma questão de perspetiva do doente e da forma como ele experiencia a alteração da sua imagem corporal, do seu estado psicológico,  do medo que pode sentir, da sua fragilidade.

Também pode existir o mesmo o receio por parte do parceiro que muitas vezes é o cuidador. Muitas vezes, para aquela pessoa, a intimidade nem existe com medo de magoar, ferir ou fragilizar ainda mais o doente.


Na sua opinião, qual é o impacto da sexualidade nos vínculos afetivos durante os últimos tempos de vida?

Pode ser uma troca de olhares, oferecer uma flor, um toque, acho que é muito mais profundo do que a sexualidade olhada de uma forma simples.


Que tipo de apoio emocional ou terapias podem ajudar estes doentes a lidar com questões relacionadas à sexualidade?

Independentemente dos motivos, dos recursos que o doente individualmente possa procurar, e cada profissional de saúde deve desempenhar o papel de ajudar na resolução do problema.


Como podemos melhorar a humanização do cuidado considerando a sexualidade como parte integral da vida de um doente independentemente da doença?

De facto, tenho uma visão de que esta questão de humanizar é muito importante, mas problemática, porque tratar e cuidar do doente nas diferentes dimensões tem implícito, obrigatoriamente, a humanização. Portanto, se cada um desempenhar o seu papel enquanto profissional de saúde, enquanto  pessoa e se existir espirito equipa, temos uma medicina humanizada.


Ouve-se muito a expressão “O Amor cura”, concorda?

Claramente não cura as doenças físicas, mas pode curar a alma.


Porque é que os nossos profissionais de saúde têm dificuldade em abordar a sexualidade com os doentes e principalmente no contexto de um doente terminal?

Diria que, na fase terminal, o que significa em últimos dias ou horas de vida, não faz sentido abordar essa questão.

Mas há pormenores aos quais devemos estar sempre atentos relacionados mais com afetividade do que com sexualidade – há alguns dias atrás tivemos um doente que se encontrava em isolamento de contacto, pelo que  a família estava com luvas e protegida, dificultando o toque. A nossa opção foi permitir-lhes que dentro do quarto retirassem as luvas, tendo a noção que é necessário fazer todo um ensino para minimizar riscos.  Este ato de humanização foi muito importante para esta família. O toque é um ato de intimidade.


O que falta fazer em Portugal pelos cuidados paliativos?

Desmistificar e criar estruturas sólidas, com conhecimento e com excelentes profissionais de saúde.


Como define a morte?

Como disse Fernando Pessoa “apenas deixar de ser visto depois da curva da estrada”.


A fé que um doente possa ter pode ajudar na recuperação do doente ou curar?

Sim, esta questão é muito delicada. Porque, por vezes, as pessoas com a sua fé/espiritualidade mesmo não podendo curar uma doença, pode ajudar a vivê-la com mais serenidade e paz.


Qual a sua opinião sobre a eutanásia ser aprovada em Portugal?

Em cuidados paliativos cuidamos de doentes. Acompanhamos a doença, a  sua evolução, deixando que esta  progrida naturalmente. O nosso papel é minimizar o sofrimento em todas as suas dimensões e não termos como opção a morte antes do seu tempo. O pedido de eutanásia  é, na maior parte das vezes,   um grito pelo qual o doente nos diz que não pode continuar a viver porque não suporta o sofrimento. Então, o essencial é ajudar o doente aliviando esse sofrimento. O objetivo é sempre ajudar e cuidar.


Sexualmente realizada. Vida feliz. É o lema do Love with Pepper, concorda?

Mais uma vez teríamos que dissecar o que significa sexualidade, mas na sua interpretação mais simples digo que não concordo - existem pessoas que por diferentes motivos fazem votos de castidade e, vivendo sem sexo, são felizes. Pelo menos assim creio.

 

 Dra. Paula Silva, Diretora de Serviço do Serviço de Cuidados Paliativos de IPO do Porto.

Posts recentes

Ver tudo

댓글


LWP_Logo_250_250.png
bottom of page